(Foto: Reprodução) Fibras do croá viram peças artesanais
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O pequeno distrito de Pindoguaba, no município de Tianguá, região da Ibiapaba, vive um momento de consagração ao conquistar o reconhecimento do Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI). O artesanato produzido a partir da fibra vegetal do croá, planta típica das áreas de Caatinga, recebeu certificação de Indicação Geográfica (IG). O título é concedido a produtos e serviços que apresentam qualidades únicas associadas à sua origem geográfica, sejam elas ambientais, culturais ou produtivas.
Símbolo de uma tradição regional, a arte em croá destaca o trabalho manual desenvolvido pelas mulheres da comunidade, que transformam as fibras da planta Neoglaziovia variegata, também conhecida como gravatá ou caroá, em peças que combinam história, resistência e identidade cultural.
A fibra do croá é apenas a segunda de origem vegetal no país a receber um registro de Indicação Geográfica. Com isso, o Brasil alcança 155 Indicações Geográficas reconhecidas, sendo 114 de Indicação de Procedência e 41 de Denominação de Origem, consolidando o país como detentor de uma grande diversidade produtiva e cultural.
O registro do croá é o reconhecimento de um trabalho de resgate cultural desenvolvido pelo Sebrae/CE em parceria com a Secretaria de Cultura do município de Tianguá e a Associação Flor do Croá. A fibra, que por muito tempo ficou guardada apenas na lembrança dos moradores, volta a ser uma das principais fontes de renda para a comunidade de Pindoguaba.
Moradores de Pindoguaba, em Tianguá
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A história do croá e as mulheres de Pindoguaba
O croá sempre fez parte do cotidiano das famílias de Pindoguaba, na Serra da Ibiapaba. A planta, que é um tipo de bromélia de poucas folhas finas e resistentes, há mais de um século serve como matéria-prima para cordas, redes, mantas e utensílios domésticos.
Antes de se tornar símbolo de arte e sustentabilidade, o croá já era essencial para os moradores do campo. No fim do século XIX, os primeiros moradores da antiga comunidade de Palmeirinha já utilizavam suas fibras para a construção de casas de taipa, substituindo o cipó nas amarrações das paredes. Com o passar das décadas, as fibras passaram a ter outras utilidades, sendo usadas também em cabrestos, peias e cordas.
A partir da década de 1940, a produção cresceu tanto que Tianguá chegou a abrigar uma mini-indústria que comprava os feixes de folhas extraídas pelos moradores e processava o material. Naquela época, Maria Joana Silva se destacou como uma das pioneiras na comercialização das cordas trançadas, vendendo-as nas feiras da região e impulsionando a economia local.
Durante quatro décadas, o croá foi considerado a segunda principal atividade econômica da comunidade, ficando atrás apenas da agricultura. Mas nos anos 1980 o cenário mudou. O avanço de fibras sintéticas e novas demandas de mercado enfraqueceu o trabalho manual e o croá ficou esquecido. A planta, que antes representava sustento, passou a ser apenas lembrança. Até que, em 2006, um novo capítulo começou a ser escrito.
Um grupo de mulheres decidiu se reunir para resgatar o antigo ofício. Nascia, então, a Associação Flor do Croá, composta por artesãs que decidiram reinventar a tradição e passaram a transformar a fibra em bolsas, luminárias, chapéus, tapetes e peças de design. Para Germano Parente, gestor do agronegócio e o responsável pelos processos de indicações geográficas do Sebrae/CE, a conquista foi um trabalho coletivo a longo prazo.
“O objetivo era formar um grupo de pessoas para trabalhar novamente com o croá, mas com uma tipologia diferente, como o artesanato. A associação conseguiu juntar 20 artesãs e, a partir daí, começou uma jornada de reuniões e discussões sobre esse trabalho que assegurou o reconhecimento da IG conquistada agora”, ressalta o gestor.
O trabalho rendeu frutos e chegou em um ótimo momento. “Essa certificação chegou em um momento muito oportuno. A associação está passando por um processo de mudanças e quer renovar o quadro de artesãos, conquistando os mais jovens”, complementa.
Colheita da planta coroatá
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O papel do Sebrae/CE na valorização da Indicação Geográfica
Há alguns anos, o Sebrae vem desenvolvendo uma metodologia para identificar territórios com potencial de Indicação Geográfica. Esse processo começa com um diagnóstico técnico e vai até a organização da governança local.
O reconhecimento da fibra do croá legitima o compromisso do Sebrae com o fortalecimento da economia local, com a valorização da cultura e com o desenvolvimento sustentável. O croá agora se junta a um seleto grupo de sete Indicações Geográficas cearenses conquistadas com o incentivo do Sebrae/CE.
Entre elas, a Cachaça de Viçosa, o Mel de Aroeira dos Inhamuns, o Algodão dos Inhamuns, a Cerâmica da Alegria do Ipu, a Renda de Filé de Trairi e a Renda de Bilro de Aquiraz.
No caso do croá, o registro garante que o artesanato produzido em Pindoguaba abra novas oportunidades de mercado, projete o nome da cidade de Tianguá no cenário nacional e internacional, fortaleça o turismo cultural e estimule a continuidade do trabalho das artesãs, agora reconhecidas como guardiãs de um patrimônio imaterial e produtivo do Brasil. A IG também garante maior visibilidade à biodiversidade da Caatinga e à economia criativa cearense.
A certificação do croá é um exemplo de como o artesanato, muitas vezes visto como atividade de subsistência, pode se tornar geração de renda e valorização cultural. O croá de Pindoguaba agora carrega o selo da Indicação Geográfica, mas, acima de tudo, carrega o orgulho do Sebrae e de um Ceará que acredita no seu próprio valor.
Trabalho manual dá forma à fibra de croá
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